Em busca de sentido!
Qual o limite de um homem? Como ele se
comporta quando se encontra numa situação-limite? Nessas circunstâncias, há na
vida algum sentido ou significado? Foi com a proposta de responder a estas
perguntas que o psiquiatra vienense Viktor E. Frankl escreveu o livro: Em Busca
de Sentido.[1]
Frankl foi um dos poucos sobreviventes de campo de concentração nazista durante a segunda Guerra Mundial, responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus! Gordon W.
Allport, amigo de Frankl e renomado psicólogo da Universidade de Harvard, destaca o fato que Frankl foi prisioneiro durante muito tempo em campos de concentração, onde seres humanos eram tratados de modo pior do que se fossem animais, e que ele se viu reduzido à existência nua e crua. O pai, a mãe, o irmão e a esposa de Viktor Frankl morreram em campos de concentração ou em crematórios, e, exceto sua irmã, toda a sua família morreu nos campos de concentração. Como foi que ele – tendo perdido tudo o que era seu, com todos os seus valores destruídos, sofrendo fome, frio e brutalidade, esperando a cada momento a sua exterminação final – conseguiu encarar a vida como algo que valia a pena preservar?
Nas páginas 16 e 17 de seu livro,
Frankl narra a dramaticidade de viver em um campo de extermínio:
“O não iniciado que olha de fora, sem
nunca ter estado num campo de concentração, geralmente tem uma ideia errada da
situação num campo desses, imagina a vida lá dentro de modo sentimental,
simplifica a realidade e não tem a menor ideia da feroz luta pela existência,
mesmo entre os próprios prisioneiros e justamente nos campos menores. É
violenta a luta pelo pão de cada dia e pela preservação e salvação da vida.
Luta-se sem dó nem piedade pelos próprios interesses, sejam eles do indivíduo
ou do seu grupo mais íntimo de amigos. Suponhamos, por exemplo, que seja
iminente um transporte para levar certo número de internados para outro campo
de concentração, segundo a versão oficial, mas há boas razões para supor que o
destino seja a câmara de gás, porque o transporte de pessoas doentes e fracas
representa uma seleção dos prisioneiros incapacitados de trabalhar, que deverão
ser dizimados num campo maior, equipado com câmaras de gás e crematório. É
neste momento que estoura a guerra de todos contra todos, ou melhor, de uns
grupos e panelinhas contra outros. Cada qual procura proteger-se a si mesmo ou
os que lhe são chegados, pô-los a salvo do transporte, “requisitá-los” no
ultimo momento da lista do transporte. Um fato está claro para todos: para
aquele que for salvo dessa maneira, outro terá que entrar na lista. Afinal de
contas, o que importa é o número; o transporte terá que ser completado com
determinado número de prisioneiros. Cada qual então representa pura e
simplesmente uma cifra, pois na lista constam apenas os números dos
prisioneiros. Afinal de contas, é preciso considerar que em Auschwitz, por
exemplo, quando o prisioneiro passa pela recepção, ele é despojado de todos os
haveres e assim também acaba ficando sem nenhum documento, de modo que, quem
quiser, pode simplesmente adotar um nome qualquer, alegar outra profissão etc.
Não são poucos os que apelam para esse truque, por diversas razões. A única
coisa que não dá margem a dúvidas e que interessa aos funcionários do campo de
concentração é o número do prisioneiro, geralmente tatuado no corpo. Nenhum
vigia ou supervisor tem a ideia de exigir que o prisioneiro se identifique pelo
nome, quando quer denunciá-lo, o que geralmente acontece por alegação de
“preguiça”. Simplesmente verifica o número que todo prisioneiro precisa usar,
costurado em determinado pontos da calça, do casaco e da capa, e o anota
(ocorrência muito temida por suas consequências)”.[2]
O que faz sentido numa situação dessas?
Como bem observaram os editores da obra de Frankl, ele toca na essência do que
é ser humano: usar a capacidade de transcender uma situação extremamente
desumanizadora, manter a liberdade interior e, desta maneira, não renunciar ao
sentido da vida, apesar dos pesares. É manter-se aberto para a vida, mesmo
naquelas situações aparentemente sem sentido e dessa forma encontrar o sentido
mais profundo da transcendência humana.[3]
A história de Viktor Frankl possui
alguma similaridade com a do profeta Elias – ambos viveram situações-limite.
Frankl era um judeu que sobreviveu ao extermínio promovido pelo nazismo; Elias, também judeu, sobreviveu ao extermínio
promovido pelo profeta Acabe. Assim como Frankl, Elias era humano! Estava
sujeito aos mesmos sentimentos (Tg 5.17).
Muitas vezes ficamos tão fascinados com
o registro bíblico sobre homens e mulheres de Deus que acabamos esquecendo que
os mesmos eram humanos! Passamos a enxergá-los como heróis e como tal
acreditamos que eles não possuem falhas. Todavia a Escritura mostra os homens
de Deus como de fato os são – homens vigorosos, destemidos, corajosos e ousados
– mas ainda assim humanos.
Com Elias também foi assim. Elias foi
um profeta que deixou leu legado na história bíblica como um gigante
espiritual. Um servo de Deus de profunda convicção espiritual e consciente de
sua missão profética. Por causa disso enfrentou soberanos, falsos profetas e o
coração de um povo dividido. Isso deixou uma sobrecarga sobre ele, e foi isso
que fez aflorar na vida do profeta de Tisbe todo o seu lado humano, frágil e
carente da ajuda divina.
1 “Acabe fez saber a Jezabel tudo
quanto Elias havia feito e como matara todos os profetas à espada.
2 Então, Jezabel mandou um mensageiro a
Elias a dizer-lhe: Façam-me os deuses como lhes aprouver se amanhã a estas
horas não fizer eu à tua vida como fizeste a cada um deles.
3 Temendo, pois, Elias, levantou-se, e,
para salvar sua vida, se foi, e chegou a Berseba, que pertence a Judá; e ali
deixou o seu moço.
4 Ele mesmo, porém, se foi ao deserto,
caminho de um dia, e veio, e se assentou debaixo de um zimbro; e pediu para si
a morte e disse: Basta; toma agora, ó Senhor, a minha alma, pois não sou melhor
do que meus pais.
5 Deitou-se e dormiu debaixo do zimbro;
eis que um anjo o tocou e lhe disse: Levanta-te e come.
6 Olhou ele e viu, junto à cabeceira,
um pão cozido sobre pedras em brasa e uma botija de água. Comeu, bebeu e tornou
a dormir.
7 Voltou segunda vez o anjo do Senhor,
tocou-o e lhe disse: Levanta-te e come, porque o caminho te será sobremodo
longo.
8 Levantou-se, pois, comeu e bebeu; e,
com a força daquela comida, caminhou quarenta dias e quarenta noites até
Horebe, o monte de Deus.
9 Ali, entrou numa caverna, onde passou
a noite; e eis que lhe veio a palavra do Senhor e lhe disse: Que fazes aqui,
Elias?
10 Ele respondeu: Tenho sido zeloso
pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua
aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu
fiquei só, e procuram tirar-me a vida.
11 Disse-lhe Deus: Sai e põe-te neste
monte perante o Senhor. Eis que passava o Senhor; e um grande e forte vento
fendia os montes e despedaçava as penhas diante do Senhor, porém o Senhor não
estava no vento; depois do vento, um terremoto, mas o Senhor não estava no
terremoto;
12depois do terremoto, um fogo, mas o
Senhor não estava no fogo; e, depois do fogo, um cicio tranqüilo e suave.
13 Ouvindo-o Elias, envolveu o rosto no
seu manto e, saindo, pôs-se à entrada da caverna. Eis que lhe veio uma voz e
lhe disse: Que fazes aqui, Elias?
14 Ele respondeu: Tenho sido em extremo
zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a
tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e
eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida.
15 Disse-lhe o Senhor: Vai, volta ao
teu caminho para o deserto de Damasco e, em chegando lá, unge a Hazael rei
sobre a Síria.
16A Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei
sobre Israel e também Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta
em teu lugar.
17 Quem escapar à espada de Hazael, Jeú
o matará; quem escapar à espada de Jeú, Eliseu o matará.
18 Também conservei em Israel sete mil,
todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou” (1
Rs 19.1-18).
Elias – um homem como os outros
Um homem sentimental
O apóstolo Tiago destacou em sua
epístola a dimensão humana do profeta Elias. Elias era homem, estava também
sujeito aos sentimentos peculiares aos seres humanos. É isso o que o apóstolo
diz: “Elias era homem semelhante a nós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e
orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e
seis meses, não choveu” (Tg 5.17). Tiago diz duas coisas importantíssimas sobre
Elias que nós parecemos esquecer: primeiramente “Elias era homem”. Elias foi um
gigante espiritual, mas era homem! Não era um anjo! Quando escrevi um
comentário para a Escola Dominical sobre a vida do rei Davi, destaquei esse
fato: “Davi era humano, demasiado humano! Foi Nietzsch quem usou essa expressão
em um outro contexto. Todavia, acredito que ela se aplica bem a Davi. Davi era
tudo aquilo que podemos identificar como humano. Um homem espiritual, mas
humano. Um guerreiro forte, mas ao mesmo tempo um líder quebrantado (Sl 34.18).
Um homem que sabia pensar e ao mesmo tempo chorar (2 Sm 12.22). Davi às vezes
se mostra extremamente racional e em outras um homem altamente emocional. Davi
era humano! Às vezes ficamos com um sentimento de decepção quando vemos Davi se
emaranhando nas teias do pecado sexual. É evidente que a Escritura reprova
veementemente essa ação de Davi, todavia isso nos mostra um outro lado da moeda
– Davi era um homem! E como homem, estava sujeito a falhas.
Ele não era um anjo, ou um semideus ou
ainda um dos heróis antigos, mas um homem que amava a Deus mesmo com todas as
suas fragilidades. Às vezes esquecemos que, ao escolher Davi, o profeta Samuel,
sob direção divina, disse: “já tem buscado o Senhor para si um homem segundo o
seu coração” (1 13.14). Deus procurou um homem, e não um semideus. Não um
herói. Não devemos esquecer a nossa humanidade. Às vezes encontramos crentes
que não querem mais ser humanos, eles buscam um projeto de espiritualidade
destituído da parte humana. Isso é extremamente perigoso. Devemos ser crentes
espirituais, mas não esquecendo que ainda habitamos neste tabernáculo” (2 Pe
1.14).[4]
Assim como Davi, Elias também era
humano. Ele estava sujeito aos “mesmos sentimentos”. Elias não era apenas
espiritual, era também sentimental! Alegrava-se, mas também se entristecia!
Talvez o que distingue Elias dos demais mortais é que ele não maquiava seus
sentimentos. Ele os punha para fora.
Um homem espiritual
Como vimos, há muitas semelhanças nas
historias de Frankl e do profeta de Tisbe, em especial quando levamos em conta
a dimensão psicológica ou subjetiva. Todavia há diferenças também. Elias não
era psiquiatra, não possuía formação em comportamento humano, mas era um
profeta com uma profunda vida espiritual. Se Frankl se valeu do que ele mesmo
batizou com o nome de logoterapia, uma técnica que busca um sentido para a
existência, Elias buscou o sentido dessa mesma existência em Deus. Elias era
servo do Deus vivo, razão última de toda a existência humana! Dizendo isso de
uma outra forma, o profeta de Tisbe era um homem espiritual.
Elias era um homem espiritual e vários
fatos narrados nas Escrituras atestam essa verdade. Primeiramente vemos Elias
como um profeta profundamente envolvido com a Palavra de Deus: “E, que segundo
a tua palavra fiz todas essa coisas” (1 Rs 18. 36). Em segundo lugar,
observamos que o profeta de Tisbe possuía uma profunda vida devocional. Elias
era um homem de oração: “Subiu Acabe a comer e a beber; Elias, porém, subiu ao
cimo do Carmelo, e, encurvado para a terra, meteu o rosto entre os joelhos, e
disse ao seu moço: Sobe e olha para o lado do mar. Ele subiu, olhou e disse:
Não há nada. Então, lhe disse Elias: Volta. E assim por sete vezes” (1 Rs
18.42,43). Elias aprendera a arte da oração!
As causas dos conflitos de Elias
Decepção
O capítulo 18 do primeiro livro de Reis
narra a fantástica vitória que o profeta Elias obtivera sobre os profetas de
Baal. O Senhor havia respondido a oração do seu servo e respondeu com uma
demonstração inequívoca do seu poder – O Senhor enviou fogo do céu em resposta
à oração de Elias (1 Rs 18.38). O que Elias esperava em resposta a esse
avivamento era um total quebrantamento do povo, incluindo a casa real. Todavia
o avivamento não alcançou as proporções desejadas. A casa de Acabe ficou
insensível a ele. Jezabel mandou dizer a Elias, em tom de ameaça: “Façam-me os
deuses como lhes aprouver se amanhã a estas horas não fizer eu à tua vida como
fizeste a cada um deles” (1 Rs 19.2). Parece que a vitória havia se convertido
em derrota! Sem dúvida Elias havia ficado decepcionado, não com o seu Deus, mas
com o príncipe de seu povo!
Para a psicóloga Esther Carrenho (2001,
pp.148-149) essa sem dúvida foi a razão que motivou o profeta Elias ficar
deprimido. Em sua excelente obra, Carrenho faz uma análise detalhada sobre os
principais conceitos da Depressão, em especial quando ela se manifesta em
personagens bíblicos tais como: Jó, Moisés, Davi e Elias.
Na sua análise sobre o profeta de
Tisbe, Carrenho destaca que:
“Quando analisamos psicologicamente os
fatos na vida de Elias, podemos também concluir que sua depressão poderia ser chamada
de “depressão após o sucesso”. Esse é um tipo de depressão que também pode cair
sobre muitas pessoas. Normalmente, diante de um desafio, o corpo passa a
produzir um excesso de adrenalina para que a pessoa dê conta de executar todo
seu plano até ver o desafio cumprido. Uma vez que a tarefa está encerrada, a
produção de adrenalina também cessa, trazendo para o corpo uma prostração e um
cansaço de tal forma que algumas pessoas demoram alguns dias para se
recuperarem novamente”.[5]
Medo
Diante da ameaça de morte sentenciada
pela rainha Jezabel, a reação de Elias foi imediata: “Temendo, pois, Elias,
levantou-se, e, para salvar a sua vida, se foi, e chegou a Berseba, que
pertence a Judá; e ali deixou o seu moço” (1 Rs 19.3). Elias teve medo e fugiu!
O homem que havia confrontado Acabe e os falsos profetas de Baal e Aserá, agora
fugia temendo morrer pela mão de uma mulher! Não devemos esquecer que Elias era
um homem semelhante a nós e sujeito aos mesmos sentimentos (Tg 5.17). Os
gigantes também possuem seus momentos de fraqueza! Não há dúvidas que aqui os
sentimentos falaram mais alto do que a fé!
Esther Carrenho destaca que:
“Acabe relata tudo para sua mulher,
Jezabel, que se enfurece com Elias ao saber da morte dos profetas de Baal. Ela
manda um aviso dando-lhe 24 horas de prazo; depois disso, ela o destruirá da
mesma forma com que ele destruiu e matou os profetas. Elias sentiu medo diante
da ameaça de Jezabel. E esse medo vai desencadear uma depressão que faz com que
Elias, o grande herói e vencedor, se prostre em total desânimo.”[6]
As consequências dos conflitos
Fuga e isolamento
O texto sagrado destaca a fuga do
profeta Elias (1 Rs 19.3). O homem de Deus que havia enfrentado situações tão
adversas, agora se vê impotente diante das ameaças de uma rainha pagã. Ele se
viu sem escapatória diante dessa nova situação e temeu por sua vida.
Humanamente falando era ficar e morrer. Devemos observar que o Senhor não
recriminou Elias por isso, nós também não devemos fazê-lo. Por outro lado,
Elias não apenas fugiu, ele também se isolou. “Ele mesmo, porém, se foi ao
deserto” (1 Rs 19.4). Essa é uma marca de uma pessoa deprimida – ela busca o
isolamento. Somos seres sociais e como tal não podemos viver no isolamento.
Carrenho (pp.150,151) vê o medo eisolamento de Elias como dois primeiros
sintomas depressivos do profeta:
“O primeiro sintoma da depressão
presente em Elias é o medo. Ele se deu conta de que, humanamente falando, não
tinha escapatória, e diante da sensação de impotência foge para salvar a
própria vida. “Elias teve medo e fugiu para salvar a vida.” O segundo sintoma é
o isolamento. “Em Berseba de Judá ele deixou o seu servo e entrou no deserto,
caminhando um dia.” Foi no deserto e sozinho que ele achou que poderia se
proteger do ataque de Jezabel.”[7]
Autopiedade e desejo de morrer
Vemos ainda as marcas do comportamento
depressivo do profeta na sua atitude de autopiedade, um termo sinônimo para
autocomiseração, cunhado pelos psicólogos. Elias achava que somente ele ficara
como um servo fiel do Senhor. “Eu fiquei só” (1 Rs 19.10). Ele achava que todos
haviam apostatado ou abandonado a fé. Não havia mais fiéis, somente ele. Como o
texto deixa claro, isso era ver a realidade de forma distorcida. Deus possuía
ainda seus sete mil (1 Rs 19.18). Mas Elias foi mais além – ele agora queria
morrer. “E pediu para si a morte” (1 Rs 19.4). Os psicólogos observam que este
é um sintoma de uma pessoa com depressão profunda. Ela perde o encanto pela
vida. Elias, portanto, precisava urgentemente da ajuda do Senhor.
Carrenho destaca com muita propriedade
que: “O desejo de morrer não significa desejo de se matar. Há diferença entre
sentir o desejo de morrer, não querer continuar a viver, e o desejo de se
matar. Elias pede que Deus tire a vida dele, que na verdade é uma forma de ter
a vida terminada, mas sem a própria participação. Para muitas pessoas o simples
fato de pensar em morrer já se torna um peso insuportável, pela culpa que elas
sentem”.[8]
O socorro divino
Um breve esboço da estadia do profeta
Elias no Monte Horebe ou Sinai, que é uma espécie de resumo do que foi dito até
aqui, pode ser dado como segue:
1) Elias entrando na caverna
a) Decepção (1 Rs 19.2)
b) Medo (1 Rs 19.3)
2) Elias dentro da caverna
a) Fuga (1 Rs 19.3)
b) Isolamento (1 Rs 19.4)
c) Autopiedade (1 Rs 19.10)
d) Desejo de desistir e morrer (1 Rs
19.4, 18)
3) Elias saindo da caverna
A terceira e última parte é a que
iremos analisar agora – Elias saindo da Caverna. Foi o escritor americano John
Gray (1995, pp.42-43) quem popularizou a figura da cavernacomo símbolo de
conflitos psicológicos. Em seu livro: Homens São de Marte e as Mulheres são de
Venus, que se tornou best-seller, ele escreveu:
“Quando um homem está estressado, ele
se retira para dentro de uma caverna na sua mente e se concentra na resolução
de um problema. Ele geralmente escolhe o problema mais urgente ou mais difícil.
Ele fica tão concentrado na resolução desse problema que perde temporariamente
a noção de tudo o mais. Outros problemas e responsabilidades desaparecem
gradualmente no pano de fundo.
Em tais momentos, ele se torna
progressivamente distante, esquecido, insensível e preocupado em seus
relacionamentos. Por exemplo, quando tiver uma conversa com ele em casa, parece
que somente 5% de sua mente estão disponíveis para o relacionamento enquanto os
outros 95% ainda estão no trabalho.
Sua plena consciência não está presente
porque ele está ruminando o próprio problema, esperando encontrar uma solução.
Quanto mais estressado estiver, mais preso ao problema ficará. Em tais momentos,
ele é incapaz de dar a uma mulher a atenção e o sentimento que ela normalmente
recebe e certamente merece. Sua mente está preocupada, e ele se sente impotente
para liberá-la. Se, no entanto, ele puder encontrar a solução, ele se sentirá
melhor instantaneamente e sairá da caverna; repentinamente ele estará à
disposição para participar do relacionamento novamente.
Entretanto, se ele não puder encontrar
uma solução para seu problema, então permanecerá enfiado na caverna. Para sair,
ele ficará atraído pela resolução de pequenos problemas, como ler o jornal, ver
televisão, dirigir seu carro, fazer exercícios físicos, assistir a um jogo de
futebol, jogar basquete, e por aí afora. Qualquer atividade desafiadora que
inicialmente requeira somente 5% de sua mente pode ajudá-lo a esquecer seus
problemas e a sair. Assim, no dia seguinte, ele será capaz de redirecionar seu
foco para seu problema com mais sucesso.”[9]
No caso de Elias, fica evidente o fato
que se não fosse a mão do Senhor, Elias jamais teria conseguido sair daquela
caverna.
Esther Carrenho destaca esse fato:
“Elias, na minha opinião, é o exemplo
bíblico mais forte e significativo de uma pessoa deprimida. Primeiro, porque
sua depressão poderia ser classificada como severa. Há todos os indícios e sintomas
de alguém que se prostra sem recursos próprios para sair da situação sem ajuda
externa. Só depois que Elias é assistido, até de maneira sobrenatural, é que
ele recobra suas forças e consegue caminhar novamente em direção ao monte
Horebe”.[10]
Provisão física
O socorro do Senhor chegou até o
profeta na forma de provisão física ou material: “Deitou-se e dormiu debaixo do
zimbro; eis que um anjo o tocou e lhe disse: Levanta-te e come” (1 Rs 19.5). Os
psicólogos veem aqui um dos sintomas da depressão de Elias – a inapetência ou
alteração dos hábitos alimentares. Nesse estado a pessoa pode não querer comer
como também pode possuir um apetite exagerado. Em ambos os casos é necessário o
auxilio de terceiros. Esse sintoma é denominado pelos psicólogos deinapetência,
isto é, “a alteração nos hábitos alimentares, quando tanto pode ocorrer a falta
de apetite como o comer exagerado. No caso de Elias, ele só dorme e não tem
nenhum interesse em providenciar o alimento. É preciso que o anjo traga a
alimentação pronta. Os familiares e aqueles que cuidam de pessoas com depressão
precisam saber que em muitos casos é preciso tomar a iniciativa de, respeitosa
e amorosamente, por um tempo, cuidar do deprimido.”[11] No caso do profeta o
anjo do Senhor é quem o auxilia providenciando-lhe alimento. Ele precisava
alimentar-se e Deus fez com que isso fosse providenciado: “Olhou ele e viu,
junto à cabeceira, um pão cozido sobre pedras em brasa e uma botija de água.
Comeu, bebeu e tornou a dormir” (1 Rs 19.6,7).
Provisão espiritual
Observamos que Elias se alimentou de
pão e água, sem dúvida alguma elementos de natureza material. Todavia a forma e
o instrumento usado por Deus para fazê-los chegar até ao profeta era de
natureza espiritual. Como já vimos o texto sagrado diz que um anjo do Senhor
foi quem providenciou aqueles víveres para o profeta (1 Rs 19.5, 6). Mas não
foi apenas um anjo que prestou auxilio ao profeta. O próprio Deus a quem Elias
servia o conduziu durante todo o tempo. A própria ida de Elias ao monte Horebe
fez parte dessa terapia. Ali Elias seria revitalizado não apenas na sua vida
espiritual, mas também na sua vida emocional (1 Rs 19.8-15).
O Dr. Rodrigo Pires do Rio (2010,
pp.82,83) destaca esse momento na vida do profeta Elias:
“A experiência do deserto marcou a
caminhada de Elias. Deserto não apenas como região externa, mas,
principalmente, como experiência interior. Elias viveu em uma época de
corrupção e suborno, de uso abusivo e absurdo do poder, de ruptura com as
coisas de Deus e culto de idolatrias. Ele teve momentos de não saber, de estar
perdido, de ter medo, de achar que tudo estava terminado, de querer fugir e
morrer. Ele procurou Deus nos sinais tradicionais (terremoto, vento, fogo) e
não O encontrou.
Pareceu-lhe, como para muitos de nós
hoje, que não havia sentido na vida, nem direção a ser seguida. Os sinais
tradicionais eram para Elias nada mais que lâmpadas que já não se acendiam.
Elias só encontrou a Deus, de maneira inesperada, na brisa leve, que significa
voz de calmaria suave. A brisa leve indica algo, um fato que, de repente, faz a
pessoa ficar calada, cria nela um quebrantamento e, assim, a dispõe para
escutar; provoca nela expectativa.
A brisa leve é o “sair de si próprio”
para se encontrar novamente, é rever as próprias convicções pela Palavra de
Deus; é redescobrir o sentido da vida pela vida que vem de Deus. Elias
desesperou-se, perdeu-se, procurou, perseverou e reencontrou-se em Deus (2 Rs
2.11)”. [12]
Acabamos de observar que os homens de
Deus também têm conflitos. Padecem também dos males comuns a todos os mortais.
Todavia é perceptível que o servo de Deus conta com uma forma de auxílio
diferenciado – ele não está sozinho neste mundo e por isso não depende apenas
dos limitados recursos humanos. O Senhor se faz presente nas horas conflituosas
da vida e presta-nos o seu auxílio. Lemos nos Salmos as palavras: “Deus é o
nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas angustias” (Sl 46.1).
O psiquiatra cristão John White observa
que:
“Todos nós experimentamos tais
sentimentos de vez em quando. As soluções são muitas: uma boa caminhada, contar
as bênçãos, uma boa noite de sono, uma conversa com os amigos, alguns hinos de
louvor, uns momentos a sós com Deus. Quando, entretanto, os sentimentos
continuam a nos assaltar por semanas e meses, devemos procurar ajuda de alguém
[...]
Infelizmente, os cristãos têm uma
inclinação para considerar suas depressões só em termos espirituais. Acham que
desapontaram a Deus. Os judeus religiosos fazem o mesmo, interpretando suas
experiências dentro de uma estrutura religiosa. E os conselheiros espirituais,
presos nessa mesma estrutura, podem muito bem diagnosticar um problema
espiritual em algum cliente, mas não perceber uma enfermidade depressiva em
outro, de modo que a fé vai ser encorajada onde ela não existe, ou o louvor em
um coração murcho como uma ameixa seca”.[13]
Notas
[1] FRANKL, Viktor E. Em Busca de
Sentido. 31ª edição, Editoras Sinodal/Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2011.
[2] FRANKL, Viktor e. Em Busca de
Sentido. Ed. Sinodal/Vozes, 2011.
[3] John White, psiquiatra cristão, no
entanto oberva que: “Frankl é um deleite e uma frustração para os cristãos. É
um prazer na sua concepção do fato fundamental de que precisamos entender
porque estamos vivos. Mas é uma frustração porque ele foge à questão básica (o
significado final da existência), confinando-se ao significado idiossincrático
da existência de cada pessoa. Uma mãe abandonada, por exemplo, pode ser ajudada
a suportar as dificuldades entendendo que o significado de sua vida consiste na
criação de um futuro pra os eu filho aleijado” (WHITE, John. As Máscaras da
Melancolia:um psiquiatra cristão aborda a problemática da depressão e do
suicídio, p.103, Editora ABU, 2001).
[4] GONÇALVES, José et al. Davi – as
vitórias e derrotas de um homem de Deus. CPAD, Rio de Janeiro, 2010.
[5] CARRENHO, Esther. Depressão: tem
luz no fim do túnel. Editora Vida, São Paulo, 2007.
[6] CARRENHO, Esther. Depressão: tem
luz no fim do túnel. Idem.
[7] CAREENHO, Esther. Depressão. Idem.
[8] CARRENHO, Esther. Depressão. Idem.
[9] GRAY, John. Os Homens são de Marte
e as Mulheres são de Vênus – um guia prático para melhorar a comunicação e
conseguir o que você quer nos seus relacionamentos. Editora Rocco, 12º edição,
Rio de Janeiro, 1995.
[10] CARRENHO, Esther. Depressão. Idem.
[11] CARRENHO, Esther. Depressão. Idem.
[12] DO RIO, Rodrigo Pires. O Poder da
Fé Contra a Depressão. Ed. Dynamus,
Belo Horizonte, 2010.
[13] WHITE, John. As Mascaras da Melancolia: um
psiquiatra cristão aborda a problemática da depressão e do suicídio. Editora
ABU, São Paulo, 2001.
Por
Dc. Geazi Santos
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