A cantora Paula Fernandes disse em um
recente programa de TV que seu processo de composição é, segundo suas palavras,
“altamente intuitivo, pra não dizer mediúnico”. Foi a senha para o
desapontamento de alguns admiradores da cantora.
Embora suas músicas comuniquem um
amor casto e monogâmico, muitos fãs evangélicos já estão providenciando o
tradicional "vou jogar fora no lixo" dos CDs de Paula Fernandes.
Parece que a apologia do amor fiel só é bem-vinda quando dita por um
conselheiro cristão.
Conheço pouco de Paula Fernandes.
Tirando o tempo que levei lendo as letras de suas canções para escrever esse
texto, até hoje eu só a havia escutado pelo alto-falante de algum hipermercado.
Suas músicas podem ser purinhas e comportadinhas, mas não fazem meu gênero.
Voltando à entrevista, Paula foi ao programa Show
Business, de João Dória Jr., e se declarou espírita. Falou ainda que
não tem preconceito religioso, “mesmo porque Deus é um só”. Em seguida, ela
disse que não compõe sozinha, que às vezes, nas letras de suas canções, ela lê
“palavras que não sabe o significado”.
Fiz, então, uma breve varredura nas
suas letras e, verificando que o nível léxico não é de nenhum poeta parnasiano,
concluí que das duas, uma: ou Paula Fernandes quis dizer outra coisa na
entrevista, ou a cantora não passou da sexta série do fundamental.
Se ela não pôde concluir os estudos,
paciência. Muita dupla sertaneja das antigas também não terminou o chamado
“ginasial” sem que isso diminuísse a qualidade da sua música. Agora, se ela
quis dizer outra coisa, então é preciso ver se a cantora estava falando de
expressões ou conceitos do espiritualismo que escreveu sem se aperceber.
Vamos olhar algumas das letras que
estariam enunciando implícita ou explicitamente alguns conceitos
espiritualistas.
“Apaixonados pela lua”:
Ontem tive um sonho / Caminhamos
entre as nuvens do céu
Desenhamos lembranças de nós dois /
Envolvidos no azul do véu
[...]
Hieróglifos [seria esta a
palavra desconhecida?] de um livro para decifrar
Na viagem desse sonho / Nossas almas
eu vi flutuar
Nas delicadas linhas do infinito
Fomos filhos de um romance de um amor
lunar
Apaixonados pela lua / Cheia de
mistérios
Nos finos grãos de areia, mente
branca
Segredo e solidão em seus hemisférios
Outra canção, “Amor além da vida” (ou
“Além da vida”), diz:
Um sentimento vai / Além da vida pra
dizer
Que nunca é tarde pra tentar / Um
grande amor então viver
Mas esse amor além da vida / Vamos
viver
Eu já fui teu sol, fui teu luar / Dei
tudo de mim pra te convencer
De que eu sou o amor e parte de mim /
Pertence a você
Mil vidas de amor pra continuar /
Tentar ser feliz sem fazer sofrer
De volta ao que eu sou, eu renasci /
Pra te merecer
A primeira canção fala de almas que
flutuam e amores lunares, porém, assim como o título da segunda, pode ser
apenas uma metáfora típica dos apaixonados. As duas últimas linhas parecem
fazer referência ao processo de reencarnação (mil vidas pra continuar,
...renasci). No entanto, se a cantora não houvesse mencionado sua opção religiosa
estaríamos aqui falando de menções espirituais ou de simplismos gramaticais da
letra? De espíritos "compositores" ou de rimas com verbos terminados
em "er"?
Em canções assim, é fácil enxergar
mensagens positivas de amor. Eu acrescentaria que, se foram entidades
sobrenaturais que sopraram essas letras, então parece que os espíritos que
“inspiravam” as enigmáticas letras de roqueiros nos anos 70 agora andam um
bocado sentimentais.
“Espaço sideral”:
Diretamente do espaço sideral
Viemos juntos numa nave espacial
E nos perdemos numa grande colisão
Com um cometa coisa sem explicação
Milhões de anos de saudade de você
Somente em sonhos sei que você vem me
ver
Seja loucura, seja coisa do além
Só sei que, mesmo sem dormir, sonho
também
Nessa canção, Paula Fernandes está
falando de odisseias no espaço ou de sonhos românticos. Dá para levar tudo ao
pé da letra ou trata-se de uma metáfora inocente? Levando em conta o que ela
disse na entrevista, nem a compositora sabe.
Paula Fernandes disse na entrevista
que possui uma “sensibilidade de perceber o mundo de forma diferente”, que vê
“a vida de forma mais positiva”, e que isso interfere no seu modo de compor.
Nas palavras dela, isso explica porque suas canções falam de “um amor mais
simples, mais brejeiro, que não é fútil, não é superficial” como se tem ouvido
por aí, pois ela canta “o amor de uma forma mais simples e pura”.
Não se pode negar que o estilo
musical de Paula Fernandes atrai justamente quem prefere um amor tranquilo e
fiel. Sua compreensão do relacionamento amoroso não tem nada do hedonismo que
rola solto no funk e em parte do sertanejo atual.
Nesse sentido, algumas de suas
canções expressam valores morais comuns às religiões cristã e espiritualista. A
cantora também reforça algumas semelhanças em pontos como a onisciência e o
amor de Deus.
Por exemplo, um velho texto (“O Dom”)
da cantora postado por um fã-clube diz:
[...] Lembrando que seremos sempre
seres imperfeitos. Mas dotados de tamanho amor
Capazes de sentir pra evoluir…
Hoje pode ser que a vida não tenha as
cores que esperamos.
Entretanto, amanhã certamente Deus,
na sua magnitude,
nos trará uma explicação para a dor
ou o sofrimento. [...]
Ou sua regravação de “One of us”:
E se Deus fosse um de nós?
[...] você gostaria de vê-lo
Se vendo significasse que você teria
que acreditar
Em coisas como o Céu, Jesus e os
santos
E todos os profetas?
Sim, sim, sim, Deus é maravilhoso
Sim, sim, sim, Deus é bom
Letras como essa reforçam linhas
gerais do cristianismo. Veja também a letra de “Criação divina”, que diz que
“Deus criou o universo em harmonia”, fez o sol e a lua, a árvore, o fruto, fez
o homem e a mulher. Diz ainda: “Deus fez você pra mim, criação divina que
ganhei do criador”. Como se não bastassem as referências ao Gênesis bíblico, a
canção diz também: “Deus criou pra cada um seu próprio dom, e junto com cada
talento uma missão”.
Acreditar em todas as religiões é um
equívoco relativista que não percebe as diferenças e contradições que existem
entre elas. Se certos grupos cristãos acreditam que os que morrem permanecem
mortos em seus túmulos aguardando um juízo futuro (segundo a Bíblia, mesmo os
homens que ressuscitaram não ficaram em trânsito pela terra), então, para esses
grupos, é impossível conciliar sua visão com a doutrina da reencarnação.
Por outro lado, o evangélico que diz
que seu processo de composição é divinamente inspirado às vezes é visto como um
músico “ungido” pelo Espírito. Na batalha ideológica e espiritual observada
entre os diferentes grupos religiosos, os espiritualistas ficam com outro tipo
de fama. Isto é, seus supostos espíritos compositores não teriam a benção
celeste do Espírito que supostamente “unge” a outra música.
Assim, na visão evangélica
tradicional, os espíritos de má fama estariam por trás tanto da
"sem-vergonhice" do funk quanto do sertanejo
"bem-comportado", pois até a mensagem de pureza romântica estaria a
serviço de um ardil que atrairia pessoas para uma compreensão espiritual
enganosa. É claro que os espiritualistas possuem uma visão diametralmente
oposta a essa.
Após as declarações de Paula
Fernandes, muitos religiosos vão esconjurar suas letras e músicas. E quem vai
curtir a música da cantora serão os fiéis do romance tranquilo.
Fonte: http://notanapauta.blogspot.com.br/2013/02/paula-fernandes-e-os-espiritos.html
Por
Dc. Geazi Santos
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