Capítulo 11
OS MILAGRES DE ELISEU
Eliseu era um lavrador pertencente a uma família abastada de Israel
quando foi chamado para uma missão profética (1 Rs 19.19-21). Sem dúvida, ele
era um dos sete mil que não havia se dobrado diante da adoração idólatra a Baal
e foi escolhido pelos critérios da soberania divina. As estatísticas mostrando
as intervenções sobrenaturais, através de curas e outros milagres são
impressionantes na vida desse profeta de Abel-Meolá (1 Rs 19.16).
O escritor Larry Richards (2006, pp.145,146) destaca o fato de que “Eliseu
fora auxiliar e aprendiz de Elias durante os últimos anos do ministério deste.
A transição que as Escrituras fazem do ministério de Elias para o
ministério de Eliseu é relatada em 2 Reis 2. Enquanto os dois homens andavam
juntos no vale do Jordão no último dia de Elias na terra, Elias disse a seu
amigo Eliseu:
‘Pede-me o que queres que eu te faça, antes que seja tomado de
ti.’ O pedido de Eliseu foi: ‘Peço-te que me toque por herança porção dobrada
do teu espírito”. Em Israel, o filho mais velho da família recebia uma porção
dobrada da riqueza da família como herança (Dt 21.17). Eliseu pediu para ser o
sucessor dele e herdar seu ofício como profeta principal de Deus em Israel.
O pedido não seria atendido por Elias. O próprio Deus chama seus
porta-vozes. Mas Elias prometeu que, se Eliseu testemunhasse a partida de
Elias, Deus lhe daria o que desejava. Eliseu viu os anjos que levaram Elias
para a glória (para comentários sobre essa aparição angelical, veja o outro
volume da série, Todos os Anjos Bons e
Malignos na Bíblia). Eliseu realmente sucedeu Elias. Na
verdade, os milagres registrados de Eliseu realmente são, em número, o dobro
dos milagres operados por Elias. Deus deu ainda mais a Eliseu do que ele
pediu”.1
Neste capítulo, dividi as narrativas desses milagres em quatro grupos
apenas por questões didáticas. Nem todos os milagres operados por Eliseu são
estudados aqui, mas aqueles que foram analisados servem para ilustrar como os
eles atenderam a um propósito divino.
Os milagres de
provisão
1. A multiplicação dos pães
Esse é um milagre de provisão. Eram cem homens do grupo dos discípulos
dos profetas e apenas vinte pães foram ofertados por um homem de Baal-Salisa (2
Rs 4.42-44). A lei da procura era maior do que a da oferta! O que fazer diante
dessa situação? O profeta Eliseu não olha as evidências naturais, mas seguindo
a direção de Deus profetiza que todos comeriam e ainda sobrariam pães! Como?
Não havia lógica nenhuma nessa predição do profeta. Todavia, milagres não se
explicam, são aceitos pela fé! Muito tempo depois encontramos o Novo Testamento
detalhando como Jesus Cristo operou um milagre com a mesma dinâmica, todavia
com maior proporção (Jo 6.9). Nas duas histórias a graça de Deus em prover o
imprescindível para os necessitados fica em evidência.
“Quando compartilhamos o que temos”, observa William MacDonald, “e
deixamos as consequências nas mãos de Deus, ele provê as nossas necessidades,
bem como às dos outros, e pode até haver sobra” (Pv 11.24,25).2
2. Abundância de víveres
Jorão, filho se Acabe, estava assentado no trono do Reino do Norte e a
exemplo do pai envolvido em idolatria e apostasia (2 Rs 6.24 — 7.120). A
consequência de suas ações pecaminosas foi o cerco à cidade de Samaria
promovida por Ben-Adade II. Com a cidade sitiada, o resultado natural foi a
escassez de alimentos. Vendia-se desde cabeça de jumento até mesmo esterco de
pombo na tentativa de amenizar a fome. Pressionado pela crise, o rei procurou o
profeta Eliseu e o responsabilizou pela tragédia. Sempre o Diabo querendo culpar
Deus pelas mazelas que ele induziu os homens a praticarem! Mais uma vez Deus
comprova a sua graça e orienta Eliseu a profetizar o fim da fome! Como nos
outros milagres, esse tem seu cumprimento de forma inteiramente sobrenatural.
Os milagres de
restituição
1. A ressurreição do filho da sunamita
Mesmo tendo deixado o filho morto em casa, essa rica mulher de Suném
demonstra uma fé inabalável (2 Rs 4.8-37). Quando a caminho e interrogada por
Geazi, moço de Eliseu, sobre como iam as coisas, ela respondeu: “Tudo bem!”
Nada está fora de controle quando Deus está no comando. Para o Comentário Bíblico Vida Nova, “a ação da mulher em colocar a criança morta na cama de Eliseu e ir
rapidamente buscá-lo sugere que ela possuía fé suficiente de que ele seria
capaz de ressuscitar a criança. A volta da criança à vida e o reencontro dela
com a sua mãe são contados de modo simples e comovente. Por intermédio do homem
de Deus, mais uma vez o Senhor tinha manifestado o seu poder sobre a vida e a morte”.3 A sequência da história mostra o
profeta Eliseu orando ao Senhor sobre o corpo inerte do garoto (2 Rs 4.33). O
relato é dramático e desafia a lógica humana. Os gestos do profeta parecem não
ter sentido, mas sem dúvida são de orientação divina (2 Rs 4.34,35). Deus não
deve explicações a ninguém sobre a forma como Ele quer operar milagres! O
Senhor responde à oração do profeta e a vida volta novamente ao filho da
sunamita (2 Rs 4.35-37).
2. O machado que flutuou
Um dos discípulos dos profetas perdera a ferramenta que havia tomado
emprestado (2 Rs 6.1-7). Naqueles dias os instrumentos feitos de ferro eram
escassos e valiosos. Daí seu desespero quando perdeu aquele objeto. Duas coisas
observamos nesse texto: primeiramente a motivação do milagre que está expressa
no lamento daquele que perdera o machado. O que nos faz lamentar? A nossa
motivação está correta? Em segundo lugar, vemos o profeta procurando
identificar o local onde a ferramenta havia caído ou se perdido. O Senhor está
pronto a restituir ou restaurar quem perdeu alguma coisa desde que se tome
consciência disso. E também o porquê dela ter sido perdida! Às vezes a falta de
reconhecimento por parte de alguns que perderam alguma coisa, como por exemplo,
a comunhão com Deus pesa mais do que o machado que Eliseu fez flutuar.
Os milagres de
restauração
1. A cura de Naamã
Aqui algumas coisas nos chamam a atenção no relato desse milagre (2 Rs
5.1-19). Em primeiro lugar, observamos que o general sírio fica indignado
quando o profeta não age da forma que ele imaginou (2 Rs 5.11). Deus não faz
shows, nem tampouco opera para satisfazer nossa curiosidade. Em segundo lugar,
observamos que Deus não estava interessado na análise lógica de Naamã (2 Rs
5.11,12), mas apenas em sua obediência. Em terceiro lugar, Naamã recebe a cura
quando desce do cavalo (2 Rs 5.14). Não há quem goste de
descer, todos gostam de subir. Todavia Abigail para salvar seu casamento, teve
que descer do jumento (1 Sm 25.23)! Ninguém será restaurado se não descer!
Naamã desceu e foi curado. Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes
(Tg 4.6). Em quarto lugar, Naamã tentou recompensar o profeta pelo milagre
recebido (2 Rs 5.15,16). Eliseu recusou! A graça não aceita pagamento por
aquilo que faz.
2. As águas de Jericó
O texto de 2 Reis 2.19-22, narra a história das águas amargas de Jericó
que se tornaram saudáveis através da ação do profeta Eliseu. Aqui Eliseu pede
um prato novo, termos traduzidos do hebraico, jarra, tigela e chadash, significando; novo, recente, fresco; também pede que se ponha nesse recipiente sal. Feito isso ele
profetiza que aquelas águas se tornariam saudáveis segundo a palavra do Senhor.
Essas exigências do profeta possuíam um valor simbólico, visto que o sal
representa um elemento purificador (Lv 2.13; Mt 5.13) enquanto o prato novo
seria um instrumento de dedicação especial ou exclusiva para aquele momento. Em
todo caso, foi o poder de Deus quem purificou as águas e não o poder em si
desses objetos e ingredientes.
Os milagres de
julgamento
1. Maldição dos rapazinhos
No relato desse milagre Eliseu invoca um julgamento sobre alguns jovens
zombadores (2 Rs 2.23-25). O efeito desse julgamento foi o aparecimento de dois
animais selvagens que atacaram aqueles jovens. A lição que fica é que não se
pode brincar com as coisas sagradas e muito menos ficar impune quem escarnece
de um fiel servo de Deus.4
2. A doença de Geazi
Nesse relato de 2 Reis 5.19-27, observamos as razões pelas quais Geazi
foi julgado. O moço Geazi viu apenas uma ação humana quando deveria ver uma
ação divina (2 Rs 5.20). Ele achava que a recusa de Eliseu era apenas uma questão
pessoal do profeta, quando na verdade não era. Geazi também trocou a verdade
pela mentira (2 Rs 5.22). Usou o nome do profeta de Deus para validar sua
cobiça. Ele procurou tomar aceitável o que Deus havia recusado (2 Rs 5.22).
Deus não vende suas bênçãos, Ele as oferece gratuitamente. Geazi trocou o
arrependimento pelo fingimento (2 Rs 5.25). Fez de conta que não havia
acontecido nada. Ele trocou a bênção pela maldição (2 Rs 5.27). Como
consequência, passou a conviver com a lepra pelo resto da sua vida!
O julgamento de Geazi nos mostra que Ministros ficam doentes, Ministérios também! Aprendemos com ele que:
a) Não devemos edificar sobre aquilo que Deus já
refugou — “Voltou ao homem de
Deus, ele e toda a sua comitiva; veio, pôs-se diante dele e disse: Eis que,
agora, reconheço que em toda a terra não há Deus, senão em Israel; agora, pois,
te peço aceites um presente do teu servo. Porém, ele disse: Tão certo como vive
o Senhor, em cuja presença estou, não o aceitarei. Instou com ele para que o
aceitasse, mas ele recusou” (2 Rs 5.15,16).
Geazi, moço de Eliseu, tenta obter ganho pessoal
naquilo que o profeta já havia rejeitado. A recusa de Eliseu era a recusa de
Deus! Ele queria obter ganho naquilo que o Senhor já havia considerado como
perda. Onde Deus havia proibido que houvesse vantagem pessoal, Geazi tenta
obtê-la.
Não tenho dúvidas de que muitos ministérios estão
ficando doentes porque estão sendo edificados sobre refugos divinos. Na maioria
são teologias recicladas. Não são fundamentadas na autêntica Palavra de Deus.
Isso pode ser visto no próprio campo da teologia bíblica. Foi assim com a
Teologia da Prosperidade; com a Teologia do Domínio; com a Teologia Ariana; com
a Teologia Unicista; com a Teologia Relacional etc. Esses modelos teológicos em
sua maioria são reciclagens de antigas heresias ou crenças heterodoxas. O certo
é que não podemos edificar sobre aquilo que a própria Palavra de Deus e a
história da igreja já mostraram que são refugos teológicos.
b) Não podemos sacralizar aquilo que é profano — ‘Geazi, o moço de Eliseu, homem de
Deus, disse consigo: Eis que meu senhor impediu a este siro Naamã que da sua
mão se lhe desse alguma coisa do que trazia; porém, tão certo como vive o
Senhor, hei de correr atrás dele e receberei dele alguma coisa” (2 Rs 5.20).5
Geazi invocou o nome santo do Senhor (tão certo como vive o Senhor) para
validar uma ação errada! Ele procurou santificar o pecado, quando diz que essa
sua ação desastrosa será feita em nome do Senhor!
Não podemos invocar o nome do Senhor sobre coisa
alguma que não esteja de acordo com a sua Palavra. O pecado jamais pode ser
santificado nem tampouco aquilo que é pagão pode ser cristianizado.
Na história da igreja vimos isso acontecer.
Primeiramente quando Constantino, imperador convertido à fé cristã, cristianiza
muitas práticas pagãs. O mesmo ocorre quando Tomás de Aquino cristianizou os
ensinos do filósofo grego Aristóteles. Mais recentemente temos os teólogos da
prosperidade tentando, a todo custo, cristianizar os ensinos da Ciência Cristã.
Aquilo que é pecado não pode ser santificado, mesmo que se invoque sobre ele
alguma doutrina bíblica.
c) Não podemos relativizar absolutos — “Ele respondeu: Tudo vai bem; meu
Senhor me mandou dizer: Eis que, agora mesmo, vieram a mim dois jovens, dentre
os discípulos dos profetas da região montanhosa de Efraim; dá-lhes, pois, um
talento de prata e duas vestes festivais” (2 Rs 5.22).
O profeta Eliseu jamais havia mandado dizer tal
coisa. Geazi mentiu! Quando tentou aproveitar o que Deus havia refugado, Geazi
agora deu um outro passo — tornou relativo aquilo que era absoluto. Criou uma
mentira e passou a acreditar nela. Quando se faz concessão onde não pode haver
nenhuma, passa-se a adotar comportamentos relativistas.
d) Não podemos substituir organismo por organização — “Perguntou-lhe Eliseu: Donde vens,
Geazi? Respondeu ele: Teu servo não foi a parte alguma. Porém ele lhe disse:
Porventura, não fui contigo em espírito quando aquele homem voltou do seu
carro, a encontrar-te?” (2 Rs 5.25,26).
O que se percebe é que Geazi se comportou diante
desse incidente como quem vivia apenas para uma organização — a Escola dos
Profetas, e não para o Deus vivo. Geazi esquecera do lado espiritual do seu
ministério, isto é, a instituição profética como um organismo divino, para
servir apenas a Escola de Profetas, enquanto instituição humana. Esquecer que
não há organização sem organismo; forma sem função e muito menos preceitos sem
princípios.
e) Não devemos trocar o “ser" pelo “ter”, a
vocação pela carreira — “Era isto ocasião
para tomares prata e para tomares vestes, olivais e vinhas, ovelhas e bois,
servos e servas? Portanto, a lepra de Naamã se pegará a ti e à tua descendência
para sempre. Então, saiu de diante dele leproso, branco como a neve” (2 Rs
5.26,27).
Geazi foi à procura de Naamã em busca de “alguma
coisa” e terminou sem “coisa alguma”. Foi em busca de valores materiais, mas
perdeu os espirituais. É um perigo quando alguém troca o “ser” pelo “ter”.
Quando transforma a vocação em carreira. Quando o ministério deixa de ser um
projeto divino para se transformar em algo meramente humano.
Os milagres operados pelo profeta Eliseu são uma clara demonstração do poder
de Deus. Todos tiveram um propósito específico de demonstrar a graça de Deus e
sua glória nas mais diferentes situações. Em nenhum momento essas intervenções
sobrenaturais exaltam as virtudes pessoais de um homem nem tampouco deixam
transparecer que se tratava de algo que o profeta conseguia manipular através
do domínio de alguma técnica. Eram ações inteiramente imprevisíveis e não
repetitivas,o que deixa claro que em todas elas estava
a unção de Deus.
1 RICHARDS, Larry. Todos os Milagres
da Bíblia. Editora United
Press, São Paulo, 2006.
2 MCDONALD, William. Comentário Bíblico
Popular - versículo por versículo. Antigo Testamento. Editora Mundo Cristão.
3 CARSON, Donald. Comentário
Bíblico Vida Nova. Editora Vida Nova, São Paulo.
4 “o contexto precisa ser levado em
consideração, e aqui sugere um bando de moleques à espera numa emboscada , que
sai após o profeta para zombar dele” (BRUCE, F.F. Comentário Bíblico NVI —
Antigo e Novo Testamento. Editora Vida.
5 Para uma discussão mais aprofundada sobre esse assunto, veja os
livros: O Sagrado e o Profano, de Mircea Eliade (Ed. Martins Fontes) e O
Sagrado, de Rudolf Otto, Editora Sinodal/Vozes.
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